segunda-feira, 31 de maio de 2010

Conselho de Epicteto no banquete de informações

Posted on 19:53 by Jornalendo

(por * Ariela Dedigo)

Nas clássicas aulas de filosofias do Segundo Grau - hoje, Ensino Médio - lembro de um professor falando sobre Epicteto - filósofo grego, um dos fundadores da Escola Estóica. Dava sua lições sobre a importância de se comportar com cortesia, a promessa de que "o que é seu, lhe será servido". Anos mais tarde, imersa em mais uma das obras do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, me deparo novamente com as lições de Epicteto. Em A Arte da Vida, Bauman faz uma citação que dessa vez não passou despercebida aos olhos já um pouco menos imaturos:

"Imagine sua vida como se fosse um banquete onde você deve se comportar com cortesia. Quando os pratos lhe forem passados, estenda a mão e sirva-se de uma porção moderada. Se algum prato não lhe for apresentado, aproveite o que já está no seu. Se algum prato ainda não chegou a você, espere pacientemente a sua vez. Transfira essa mesma atitude de comedimento e gratidão cortês aos seus filhos, esposa, carreira e finanças. Não há necessidade de cobiçar, invejar e apoderar-se. Você vai ganhar sua porção correta quando chegar a hora."

Ora, ler esse conselho nos dias de hoje parece loucura. Para Bauman não é. O autor afirma que apesar de ser desanimador e exigir um esforço árduo, segui-lo é difícil, mas não impossível. Façamos aqui uma analogia entre o banquete dos tempos de Epicteto e o banquete de informações que nos é ofertado.

1º) O que seria de nós se estendêssemos a mão a cada informação que nos é "servida"?
2º) Existe a possibilidade de consumir uma porção moderada de cada prato?
3º) O que é considerado moderado? Essa quantidade se pudesse ser mensurada supriria nossa necessidade de estar sempre conectado e "atualizado"?
4º) Conseguiríamos nos contentar só com as informações que nos são servidas ou estamos sempre atrás de mais, insaciáveis?
5º) Esperar pacientemente? Como fazer isso se levarmos em consideração que vivemos uma vida em capítulos, que se reconfigura e reconstrói em curtos espaços de tempo e para a qual temos que estar sempre "renascendo" de diferentes formas? Para Bauman essas são características do homem do mundo líquido moderno.6º) Como saber qual a parte que nos cabe e como acreditar nessa promessa tranquilizadora de que a porção "correta" nos será ofertada?

A informação chega por todos os lados e de formas incontáveis. Consumimos de uma maneira quase mágica, sem notar, como se ela fosse invisível. O que no meio disso tudo é jornalismo, é uma opinião pessoal, é publicidade ou qualquer outra coisa, pouco claro parece estar. A questão é que se trata de informação. E, se somada a quantidade de pratos/informação que nos são servidos à quantidade que cada um de nós busca por si só, corremos riscos no mínimo preocupantes. De tanto comer, as papilas gustativas dão sérios sinais de estarem sumindo aos poucos. Nesse banquete de Epicteto não conseguiríamos mais sentir o sabor dos pratos, assim como não sentimos, processamos e muito menos lembramos daquilo tudo que lemos, assistimos, ouvimos ou por onde navegamos. No banquete informacional, parece que estamos sendo vítimas do exagero de oferta e de demanda - sim, demanda que nós mesmos ajudamos a criar. Trata-se de pensar e encontrar alternativas para não acabarmos vítimas de todo esse exagero.


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1 Response to "Conselho de Epicteto no banquete de informações"

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Bibiana Friderichs Says....

Feliz com as aproximações entre Epicteto e Bauman, proposta por ti, ouso acreditar que elas explicam ainda outras questões, muito pontuais, ligadas aos excessos e ao pecado da gula. Estudando a diacrônica comunicação do mundo suspeito que houve um tempo em que ter acesso a informação, especialmente a informação escrita, mas não apenas ela, significava um privilégio tão grande, que por si só bastava para mitificar o sujeito como sábio. No entanto, me parece que agora a modernidade líquida, munida de transitoriedade e efemeridade, reflete em sua águas o distanciamento da noção de informação como fonte de conhecimento. Já não basta mais estar conectado, selecionando e catalogando dados, é preciso pô-los em relação, pois só a alteridade, ou melhor o reconhecimento da troca, do outros, da sua significação em contexto, é capaz de transformá-la em sabedoria.

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