sexta-feira, 30 de julho de 2010

Quanto pagamos pela essência?

Posted on 18:40 by Jornalendo

(por* Patrícia Pinto Lemos)

Dia desses, ao levar a mão em um bolo artesanal na prateleira do supermercado, fiquei pensando o quanto se paga pela essência das coisas. Sim, porque o tal bolo dito artesanal era o dobro do preço de outros industrializados. Talvez eu tenha sido motivada pela saudade da comida da mãe. O fato é que hoje, na economia capitalista e com as relações humanas mediadas pela tecnologia, até a essência é vendável.

Não, o bolo não vai me trazer o tempero da vovó, mas a embalagem e a etiqueta o identificando como artesanal, faz com que nós, na carência das “coisas como eram antigamente”, compremos. E pior, nos cobram bem mais caro por isso em um produto que talvez tenha seus custos iguais ou inferiores aos demais. Ou você acha que o trigo teria sido colhido por virgens escandinavas durante uma aurora de outono? Que uma vovó ficou a tarde inteira sovando aquela massa? Infelizmente essa é a nossa ilusão, enquanto que panificadoras gigantes reproduzem milhares de quitutes e no rótulo da embalagem está estampado “Endereço: Distrito Industrial...”

Maldita carência! Oh, vamos crucificar os mouses, chips e os nós que nos escravizam e afastam das coisas da natureza! Claro que não! Mas é inegável a participação dos aparatos tecnológicos no cotidiano, sendo imprescindíveis no dia-a-dia de algumas pessoas. Para a Geração Y já é tão natural a necessidade da conexão em rede quanto o leite materno. Ao invés de bicicletas, videogames. O fato é que a tecnologia faz parte das nossas relações pessoais com o mundo, mediando quase tudo que fazemos.

Walter Benjamin já falava sobre a aura dos objetos em seu ensaio de 1936, chamado A Obra de Arte na Era da Reprodutibilidade Técnica. Para ele, a obra de arte é condicionada pela sua aura que implica na sua existência única, no lugar em que ela se encontra, compreendendo ainda a história. Ele dizia que a nossa vontade de ter tudo estimula a reprodução, que por sua vez retira o objeto do seu invólucro e destrói a sua aura.

E é essa aura fajuta que vendem em prateleiras do supermercado, num cotidiano onde a pressa mediada pela tecnologia reina, onde se consome, sem pensar, sem ver, sem cheirar, sem sentir. E assim vamos deixando pra trás a essência de algumas coisas. Não falo só de comida, como o caso do bolo, mas qual foi a última vez que você tocou a sola do pé na grama ou então sentiu a vibração dos acordes e da plateia em um grande show?

Mesmo sabendo que é inútil lutar contra as consequências do capitalismo e da sociedade em rede, devolvi o bolo “artesanal” na prateleira. Cheiro de terra molhada até pode ter valor de mercado para o empresariado dos produtos artesanais, mas o bolo de maçã com aveia e canela que minha mãe vai fazer este fim de semana pra mim, não tem preço.

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